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domingo, 13 de dezembro de 2015

Três primaveras depois de 1986.

Naquele verão de 85, quando eu nem esperava que alguma coisa ainda fosse acontecer, você cruzou a rua e me perguntou o que havia de bom pra fazer pelas redondezas. Naquele segundo em que o mundo parou pra que eu pudesse olhar e ouvir você, eu soube, baby, que eu estava diante do amor da minha vida.
Ainda me pergunto se me apaixonei primeiro pela sua voz, pelos seus olhos, pelos seus ombros largos ou pelo hematoma no seu joelho. Não era muito normal garotas da sua idade jogarem bola ou andar de bicicleta mesmo que usando vestido, você sabia disso e mesmo assim fazia de tudo pra quebrar as regas. E eu amava isso. Eu amava sua rebeldia em manter os cabelos curtos enquanto a moda pedia cabelos trançados, e ficava louco da vida quando você apostava corrida com outros meninos!
Você foi a primeira mulher que me fez chorar com motivos e me viu chorar segurando um pedaço de bolo que você tinha guardado do seu aniversário que eu não pude ir. Você lembra disso, baby? Eu com o rosto vermelho, chorando que nem um bobo! Você ficou do meu lado e me abraçou de um jeito tão confortável que eu poderia morar nos teus braços por um tempão.
Quando a primavera chegou e nós já não éramos mais tão crianças assim, você me contou que iria embora. Pra outra cidade, talvez. Ia depender da vontade dos seus pais. Ah, baby, tudo dentro de mim gelou! Eu não podia perder você, mas você quis assim.
Sim, já se passaram, mais ou menos, umas três primaveras e você não. Você já não me manda notícias. Me vejo obrigado a me contentar em imaginar o seu agora, suas atuais urgências, se ainda existem hematomas nos seus joelhos. Imagino, também, que seu cabelo deva ter crescido, mas imagino que já o tenha cortado, assim como me cortou aos pedaços em março de 86.

Ps. Não te escrevo nessas linhas. Escrevo estações.

La Mort

Andamos em círculos.
Começamos nus, sem pelos, dentes e noção.
E morremos assim.
Sozinhos, no escuro, num profundo silêncio, debaixo do chão.