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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A primeira vez que eu chorei em público foi por trás dos óculos de sol.

Segunda-feira. De cara... Eu quase não aguentei.
A hora não passava e de repente eu me vi escorrendo pela cadeira, escorrendo pelo chão.
Tinha um pouco de mim por todo canto, entre as frestas do piso velho, empoçado sob os pés da mesa. Recompor era palavra de ordem e eu só queria descobrir como fugir daquilo tudo.
Deixei seguir. E fui, fui, fui... Até me perder por completo em qualquer buraco sujo. Um ralo-salvação, talvez. Silêncio escuro, pesado, meu. Não há poesia. A diferença sutil entre esvair e escorrer é triste. Quando eu era menor e brincava a tarde toda na rua, subindo em arvore, tropeçando nas pedras soltas, era mais fácil por que eu não escorria, nem sentia dor, nem calor, nem lembrava que o tempo era do time contra. Hoje as juntas doem, as costas se curvam às desgraças involuntariamente. E tudo escorre, todo dia, toda hora.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Quando eu me vi no lugar dela e quis escrever uma carta pra ele

Se tu soubesse, menino, que esse teu óculos quadradinho é a coisa mais linda que eu já vi, o que tu faria?
E se soubesse que essa penugem que tu chama de barba, quando roça no meu ombro, é a coisa mais gostosa, o que tu faria?
Tu dessa finura, com essa brancura e com esse cabelo lambido na testa, menino, é a coisa mais encantadora que eu já conheci. Eu passo o dia seguindo o ponteiro do relógio, volta após volta, pensando em te encontrar. E tu todo encabulado, com a gola da camisa desarrumada, me esperando sempre as seis da noite no portão, é melhor que plástico bolha, que sorvete de chocolate, que o pudim da vó, que o doce de leite caroçudo que vende na estrada rumo a Guaramiranga.
Às vezes, menino, eu sinto inveja dessa tua calma, dessa tua voz mansa, desse sorriso que sempre que aparece aperta teus olhos e o meu coração. Tu é a coisa mais linda que eu já vi e que eu não canso de ver e que, talvez, daqui há uns anos eu ainda vá te olhar e ter a certeza que e dentro de ti o melhor lugar.

domingo, 18 de setembro de 2016

Separação - Affonso Romano de Sant'Anna

Desmontar a casa e o amor.
Despregar os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas após a tempestade das conversas.
O amor não resistiu às balas, pragas, flores e corpos de intermeio.
Empilhar livros, quadros, discos e remorsos.
Esperar o infernal juizo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!
Houve um tempo: uma casa de campo, fotos em Veneza, um tempo em que sorridente o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se.
 Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa.
Amou-se um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada com suas roupas amassadas, tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos outra derrota à vista: bonecos e brinquedos pendem numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?
Tonto, perplexo, sem rumo um corpo sai porta afora com pedaços de passado na cabeça e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ré menor negativo

São exatamente 10:30 da manhã e meu pensamento está com você.
Segure-o contra o peito.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Quando Margarida enfiou carinhosamente uma tesoura de ponta na panturrilha de Gomes.

Tenho que admitir... A morte me fascina. Quantas vezes me lancei pela janela do quinto andar. Quantas vezes não imaginei a sensação da queda... Cair de cabeça, de bruços, de costas, olhos abertos, sobre as telhas de amianto das garagens, no chão de concreto, se meu corpo quicaria ou se estouraria que nem uma bexiga com água. Me assusto. Mudo o pensamento. Tenho que mudar. Abro os olhos de pressa e ainda estou confortavelmente na minha cama, abraçada aos travesseiros. Que conforto eu teria além das grades que separam imaginação de realidade? Não há respostas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Lisura

E passar minha mão áspera na tua pele lisa enquanto nosso cheiro se espalha por todo o quarto. Eu gosto de perder tempo olhando tu pregar os olhos teto enquanto enrola uma mecha de cabelo entre os dedos. Teu rosto sob luz amarela fica digno de filme francês. Aquela coisa melancólica, parecendo fim de tarde, combina contigo.