+MAIS

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Estamos falando de um futuro retrógrado, onde o mundo virtual arruinou quatro dos cinco sentidos.

Recentemente descobri que você era apenas um holograma e que tudo não passou de um invento sensorial espetacular da tecnologia moderna. Sua voz computadorizada, seus olhos de reconhecimento facial. Eu tocava seu corpo, mas o que sentia era tão somente memórias programadas de uma pele, de um cheiro, de um sorriso. Memorias minhas, sensações minhas, sentimentos meus.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Fortaleza, 27 de junho de 2017.
Metrô - Estação Chico da Silva.

A voz de alerta diz "deixe sair para depois entrar."

Estou indo embora aos poucos e você não nota.

Eu levo as mobílias
Levo roupas
Gestos
Palavras.
Todos os dias eu desapareço aos poucos
E, como no pesadelo, me faço turva quanto mais perto você chega.
Ninguém nota.
Você não nota.
Sempre dizendo eu te amo
Mas ocupado demais
Tentando fazer
O outro ficar.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

O primeiro pesadelo real

O tempo vai se encarregar de transformar isso numa vaga lembrança. Você vai esquecer minha voz e o toque da minha mão, e eu não vou lembrar o caminho da sua casa e nem se um dia você escreveu pra mim. Essas coisas vão acontecer aos poucos. O tempo é sorrateiro, anda na ponta dos pés.

domingo, 18 de junho de 2017

Dois passos.

Quando tu me disse que precisava ir, acho que todo o sangue do meu corpo escorreu pro nada. Provavelmente, pela tua cara de espanto, eu deva ter ficado completamente descorada com a notícia. Abri a porta lentamente, rezando que tu desistisse a cada virada que a chave dava dentro da fechadura. Tu e tua calma absurda, juntando as coisas aos poucos - a chave do carro, o óculos, a carteira e meia embalagem de Trident - e eu em pé do lado da porta. Muda, surda, cega, descrente. Porque era nítido que se tu saísse ia ser pra sempre. Ninguém beija daquele jeito quando sabe que vai beijar no outro dia ou depois. Ninguém abraça e respira fundo, como que aspirando o resto de vida que brota do pescoço do outro, se não for pra cair no mundo sem volta.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

16,5%

Essa mão de palma fina que me aperta quando sucumbe ao desejo.
A transparente bola de sabão
A fina casca do ovo
O vidro frágil.
Quente e frio
Seco e molhado.
Coisas que se alternam.
Ternas.
Amo você.



segunda-feira, 12 de junho de 2017

Conexão.

Aviões vão cruzar o céu e antes mesmo que possam retornar a solo firme, milhões de amores irão se partir.

domingo, 11 de junho de 2017

Pequena bula.

Eu falo de ti 
E falo sobre saudade
Sobre paciência
Sobre detalhes.

O amor é isso, é essa saudade infinita que tem o prazer da chegada depois de um longo dia, até quando se passa o dia todo perto. 
O amor também é paciente. Nunca usa relógio, não sabe ler hora, mas sempre espera com calma. Fala com calma. Ensina com calma. Beija com calma. Em todas as pausas. Amor.
São nos detalhes escondidos nos fios de cabelo, nas doses homeopáticas de qualquer carinho no meio da correria. O amor tem dessas, de se esconder no canto da boca e aparecer na hora de dizer eu te amo, enquanto canta e sorri. O amor gosta de estar entre os dedos das mãos dadas, no perfume floral, nos cadarços, nas alças dos sutiãs, no corte de cabelo, no piscar rápido dos olhos e até na lágrima que desenha a bochecha e se apaga entre os lábios.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Em 2054,estudiosos cogitarão um novo fim do mundo faltando 6 anos para o retorno de Halley: carta 7 encapsulada.

Fortaleza, 06 de junho de 2017.

Você

As cartas não mentem.
Tinha você, tinha sua confusão, sua viagem de ida, sua viagem de volta. Os perrengues financeiros, papéis importantes, um aviso pra cuidar da saúde. Um elo, uma raposa, um homem moreno, incertezas, emoções a flor da pele e uma aliança. A cartomante disse que você estava brincando, jogando, apontou uma cobra, alertou sobre abraço e veneno, falou "tome cuidado" e "vá, mas só até onde achar seguro". E não viu final. Não estava nas cartas, não dependia de santo, orixá, entidade e sei lá mais o que.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

domingo, 4 de junho de 2017

O ano será 2056 e o governo chinês construirá um observatório próximo a grande muralha e abrirá ao público que já aguarda a volta do cometa: carta 5 encapsulada.

Fortaleza, 04 de junho de 2017

Você

Não tente por panos quentes, por favor. Ninguém aqui é mais criança. Você casou e agora é esposa de um marido. Um marido que quase não tem defeitos, que você sempre deixou pairando sobre nossas cabeças enquanto nos beijávamos. O tempo todo ele esteve entre nós, como um balão de gás hélio, um fantasma ou uma lembrança dessas que te puxam pra realidade fodida depois de um sonho incrível. Pois foi exatamente isso. Te beijava e mordia e tu pensava no que exatamente? Na minha cabeça tu pensava em voar pra Bélgica ou pra Portugal e quando despertou, reconheceu, finalmente, que precisava tentar voar e viver mais uma vez, mas com ele. Você ainda vai tomar café em Venice e banhar-se no mar de Bora Bora, converse com ele e tente. Ainda resta viver alguma coisa. Esses lugares vão salvar vocês. Esses lugares me salvaram, mesmo sem nunca ter ido a nenhum dos dois. Na minha cabeça a salvação está dividida entre café e banho de mar. E você quer a salvação em nome do pai que ele é, em nome do filho que ele é e cuida, em nome do espírito santo e bondoso que ele tem.

sábado, 3 de junho de 2017

No fim de 2057, a Nasa divulgará imagens inéditas do cometa Halley: carta 4 encapsulada.

Fortaleza, 3 de junho de 2017

Você,

Me sinto sufocado. Desde quinta que respirar sem dificuldade tem sido cada vez mais raro. É a terceira carta que lhe escrevo hoje na esperança de que vomitando as angustias o peso sobre os pulmões diminua. Você sabe que eu não aflito por natureza e as ansiedade me corroem as carnes a cada minuto que penso em lhe falar o quanto sinto sua falta. O mundo todo me pede paciência, me pede calma, diz que é questão de mês, que daqui a pouco eu vou ter esquecido e se ainda lembrar serão só vultos de um outro momento. Mas você sabe que não é assim. O tempo vai se encarregar de me fazer caber de novo nos lugares e eu, talvez, esqueça seu cheiro, a textura da sua pele, o seu gosto e como eu amava as quartas-feiras. Provavelmente eu vá odiar as quartas-feiras e o buraco que irá ter nelas a partir de agora. Na verdade as quartas serão enormes buracos negros, sugando luz e tudo o que tiver ao redor. Porque buracos negros são isso, são estrelas gigantes, tristes, que entram em colapso e explodem num grande suicídio espacial.

No ano de 2058, o astrônomo alemão bastante renomado, reforçará o grande espetáculo que está prestes a acontecer: carta 3 encapsulada.

Fortaleza, 03 de junho de 2017

Você.

Eu imaginei o livro de astronomia da sua irmã. Imaginei seus dedos finos grifando as palavras enquanto os olhos concentrados percorriam imagens e letras. A boca aberta, balbuciando e se espantando a cada descoberta de espectro estelar.

"As estrelas apresentam diferentes colorações: enquanto Rigel, na constelação de Orion, e Spica, na constelação da Virgem, são nitidamente azuladas, a estrela mais luminosa do céu – Sirius -, na constelação do Cão Maior, assim como Vega, na constelação da Lira, brilham na cor branco-azulado; algumas são alaranjadas, como Aldebaran, na constelação do Touro, e Arcturus, na constelação do Boieiro; e outras, ainda, são avermelhadas, como Antares, na constelação do Escorpião. Estas estrelas, de primeira grandeza, são as únicas que permitem ao olho humano perceber a variação de sua tonalidade cromática."


Em 2059 cientistas afirmarão que o cometa Halley irradiará o maior feixe de luz já observado a olho nu: carta 2 encapsulada.

Fortaleza, 03 de julho de 2017.

Ainda não tem nome ou apelido.

Não dormi de ontem pra hoje e pensar em você te me dado uma dor de cabeça horrível. Quando essas cartas chegarem na tua porta, rasgue antes de ler. Faça com elas o que fez comigo. Rasgue. E dance por cima dos restos de papéis, depois leve-os à praia, jogue tudo no mar e deixe que se afogue, que se afunde. Vou morrer questionando sua volta, do mesmo jeito que questiono minha desgraçada existência, do mesmo jeito que questiono tantas coisas que acontecem sem um propósito. Eu fui escora? Fui distração? Fui ração pra ego? Fui cama de motel barato? Fui piada em momento apropriado? Fui música pra quebrar silêncio? O que aconteceu com aquele monte de palavra bonita? O que aconteceu com aquelas promessas involuntárias que se materializavam toda vez que tu proferia? Eu descia do carro com a mochila cheia de esperança e guardava todos os tijolos de promessas, como se fossem servir de alicerce pras paredes e chão da casa que nunca vai existir.

Ps. Era tão real, tão quente. Você agora age como vidro de acetona destampado, como cigarro no vento.

Revelação - Fagner

Quando a gente tenta
De toda maneira
Dele se guardar
Sentimento ilhado
Morto, amordaçado
Volta a incomodar

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Em 2060 o cometa Halley voltará: carta 1 encapsulada.

Fortaleza, 2 de junho de 2017

Não consegui pensar em um apelido é também não posso dizer seu nome.

Essas coisas todas que você me disse, esse atropelo todo de pensamento e sentimento... Você não precisava ter vindo se não fosse pra ficar. Agora eu sou o corpo mais dilacerado, a cabeça mais fodida. Tô me sentindo a maior ferida aberta com braços e pernas e uma cabeça fodida, isso sim. É uma dor, uma agonia... É um caco de vidro saindo por cada milímetro de pele. É como se tudo em mim sangrasse e a vazante fosse o contorno do meu olho ardido. Chorar arde, queima, é soda cáustica roendo o rosto, o peito, a barriga. Eu tô tendo uma hemorragia e não tem o que faça estancar essa merda toda! E tem tanto medo nesse quarto... E não tem luz que acenda, nem som que preencha, não tem nada no mundo que faça parar, que ponha essas coisas suspensas em seus devidos lugares. Veio do jeito que foi, no mesmo galope, na crina do cavalo branco que de tão lindo também é aterrorizante.

Sem porto, sem vela

Eu sinto demais.
Sinto muito.
Então as distancias de um bairro a outro tornam-se verdadeiros oceanos entre continentes e o corpo inteiro entra em um transe tépido, ora querendo ser barco viajando rumo a você, ora querendo afundar na existência escura de ser e sentir.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

O selo de R$ 0,3 centavos.

Eu queria escrever pra você
Mas não uma carta de amor
Muito menos de ódio.
Não iria falar sobre meu dia
Nem sobre como as noites tem sido de insônia.
Não adiantaria listar os planos
Nem forçar a melhor caligrafia do mundo Pra te contar sobre qualquer bobagem.
Se eu fosse mesmo lhe escrever
Não escreveria sobre nada.
Seria uma folha em branco
Um desses papéis de carta da coleção de Minha mãe, um pouco envelhecido, talvez
Dentro de um envelope sem pompa
Que era pra você ser remetente
E eu destinatário
Da história que eu não sei mais contar.