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terça-feira, 28 de março de 2017

Lavada.

Matei minha tia. A tia que fumava desde os onze, que não tinha marido e filhos, que morava sozinha numa casa linda em Quixadá. Dei uma tosse insistente seguida de insuficiência respiratória. Diagnostiquei-a com um câncer de pulmão letal, urgente. Mas ofereci um enterro digno. Familiares, amigos, condolências e um pôr do sol ao fundo. A tia estava pálida, apenas pálida. Não tive coragem de me aproximar do caixão escuro. Nunca gostei de velórios e enterros, fui em respeito a memória da grande mulher bondosa, que me acolheu na infância, que nunca existiu e cujo o grande feito da vida foi ser uma desculpa esfarrapada, porém muito convincente, para que eu pudesse faltar um dia todo de trabalho. Quem se preocupa com a tia fumante? Quem liga paras as milhares de substâncias cancerígenas nos cigarros? Quem vai ficar com a casa e todos os pertences da tia falecida? Quantas horas dura uma viagem de Fortaleza à Quixadá? Quantos tios e tias ainda me restam? Quantas pás de terra foram necessárias pra cobrir toda a cova? Tia Irene, a vida é mesmo um sopro.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Prazo de validade.

Eu vou perder você. Eu sei, você sabe, insistimos mesmo assim. Vai chegar o dia, mais um dia, em que restará apenas o canto vazio e a conformação.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Se Eva soubesse.

Há 6 anos atrás Eva abandonava o lar.
Deixou tudo para trás, foi-se apenas com a roupa do corpo. Até hoje me indago como Eva foi capaz. Mulher feita, independente, experiente acima de tudo. Quando paro, entre um cigarro e outro, me pergunto por quanto tempo certas feridas permanecem abertas. Eva, antes de ir, sabia que não seria fácil estancar, fechar, sarar. São processos e cada etapa tem que ser sentida. Mas por qual motivo? Quem ensinou Eva a ser assim? Me vejo aqui, deitado na cama, com os olhos pregados no teto, ouvindo o disco estalar "i'm building memories on things we have not said" na velha radiola Philips.
6 anos depois e ainda é Eva.