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terça-feira, 21 de julho de 2020

Às vezes dá uma raiva imensa de ser quem se é


Há em mim toda a pressa do mundo

Uma urgência absurda em entregar-me a felicidade

Por menor que seja o sentir, sentir tudo e do prazer à dor, entregar-me sem pudor e deixar que tudo escorra corpo a dentro


Fina fria quase silenciosa

Chuvisco barrufo respingo

Memória

Outrora

O banho e o beijo

Vontade e desejo

O sonho

Fino frio quase silencioso

Chuvisco barrufo respingo

Memória

De outrora.

Ando sem noticias suas e isso é como ter uma bússola, mas não saber lê-la. Seguro-te nas mãos, vejo-te apontar o norte e me perco em seguida. Ponho-me a andar em círculos, viciado na elipse das memórias antigas. Sem norte, sem sul. E aos poucos me perco do seu cheiro de casa, do seu gosto de casa, da sua pele de casa. Perco-me de você. Firmo o pequeno objeto na esperança de desvendar o que a agulha magnética me diz e insistentemente escuto meus pensamentos confessando que amo muito, muito, muito você.

— policrômico
Como um rio desviado pela força do homem, nossos destinos fluíram em direções opostas. Não somos mais o amor um do outro, não nós banhamos em nossas margens.
Como em uma das falas daquele filme meio idiota, que com certeza você jamais assistiria, “eu te amo, mas eu não gosto mais de você”. Eu ainda te amo muito e todos os dias é como se tivesse que esconder pequenas partes do meu corpo cansado em gavetas fechadas com cadeados que me obrigo a jogar as chaves fora.
se penso no tempo penso em você como também penso nas nossas vidas que se cruzaram se atravessaram e seguiram em opostos. se penso no tempo penso em cura penso que só ele é pode cicatrizar e reunir novamente. o tempo me ensinou a ver me ensinou a ouvir me ensinou a amar mas o tempo também me envenenou e me fez ter medo me deixou feridas que só ele pode fechar. se penso no tempo penso em como ainda as coisas todas passam e penso que você fica.
O contorno da boca, a linha fina entre os lábios e os olhos, eu não posso deixar de falar dos olhos que mesmo com aparência cansada, parecem duas granadas prontas para explodir qualquer coisa que fique sob sua mira, sua ira. O cabelo desarrumado, o braço apoiando o rosto. O ângulo perfeito da destruição. A composição divinal da desgraça. Da minha desgraça.
Evito seus olhos como talvez o diabo fuja da cruz… é que os olhos não mentem, não há como ocultar o que os olhos vêem, você entende? Primeiro se sente com os olhos e depois, a imagem, o visto, passa pelo corpo todo, como a onda gigante de 2004, e inunda da cabeça aos pés, numa velocidade impiedosa. Foi assim quando vi sua boca se abrindo oara a minha: a imagem que me encharcou dos pés a cabeça, como o tsunami índico.
Eu preciso escrever que nós fomos o tipo de casal que se mata no fim épico daquela tragédia grega. Que nós fomos as bombas atômicas que dizimaram Nagasaki e Hiroshima. Eu preciso dizer que nós fomos como a poeira cintilante da cauda de um cometa que passa a cada 64 anos.

domingo, 19 de julho de 2020

Por aqui almoçamos sempre as doze em ponto. Primeiro come meu pai, sempre. Sozinho e em silêncio, no melhor lugar da mesa. Depois sento eu e minha mãe, sempre. Uma de frente para a outra. E almoçamos e conversamos. Bobagens, assuntos sérios, história das vidas alheias e das nossas. O almoço, as palavras, as coisas todas do mundo, tudo dentro da boca, se moendo, se misturando, se falando, falando, falando, engolindo, lindo, rindo.
A espinha do peixe travada da garganta. O pigarro. A água. A colher cheia de farinha seca. A tosse. A espinha do peixe travada na garganta. A água. A tosse. Mais farinha seca. Mais água. Mais tosse. E o pigarro. A espinha do peixe travada na garganta. Ajuda, São Braz!
Eu lembro muito. Inclusive até a data eu sei. O número bem específico e o dia da semana também. Sei da hora. As coisas todas muito vivas, muito frescas, como um sopro fugaz  do Aracati. Uma sexta-feira, vinte e três de junho. Você ainda sabia o meu nome e telefone. Você sabia escrever cartas, emails, poemas, mensagens virtuais. E eu ainda sabia seu nome e telefone. E lia as cartas, emails, poemas, mensagens virtuais. A vida toda acontecia sob um céu rosa, com nuvens maiores que muitos torreões. Eu lembro de ter dito - e lembro do sou sorriso concordando - que escolhemos a melhor e mais bonita época do ano para acontecer.
Precisamos gastar esse amor o mais rápido possível. Deixá-lo por todos os lugares da cidade, em todos os quartos daquele motel barato que pelo menos uma vez por semana nós íamos pedir uma suíte, por favor. Precisamos gasta-lo em vinte playlists no Spotify, dez delas com as mesmas músicas em ordem diferente. Precisamos gastar sem pena e pudor. Precisamos rasgar, queimar, explodir, implodir, roer o caroço, mascar, colocar em mastros, deixar o vento levar, jogar ao mar, deixar que colida a duzentos quilômetros por hora em qualquer sólido com o dobro do seu tamanho. Precisamos chorar, espernear, vomitar, foder, pisotear, jogar na primeira lixeira depois daquela maldita esquina. Precisamos mandar a Marte ou a Júpiter, deixar que morra em alguma lua ou que derreta quando a chegar à distância mínima do sol. Precisamos expurgar, exoscisar, entregar como oferenda, mandar pra puta que pariu ou pro raio que o parta. Precisamos urgentemente dar um fim. Sufocar, esquartejar, empurrar do penhasco, afundar no meio do São Francisco, abandonar na sarjeta, guilhotinar. Precisamos que ele morra a facadas ou a tiros, dilacerado por animais selvagens. E precisamos que ele viva pois já não vivemos sem tê-lo. Não vivo sem amar você.
Vejo-te no opaco dos olhos alheios e perdido, sempre perdido, nos rostos e bocas de outrem. Insônia teu nome, suores teu nome, tremores teu nome, desejos teu nome, saudade teu nome. Toco-te em pensamento, pele pêssego, quanta falta cabe em um ângulo obtuso? Percorro-te com olhos plangitivos. Nada será como antes. Cores incandescentes agora frias como a palma da mão que toca o véu da noite vagarosa.
De quantas maneiras diferentes nos é permitido sentir o amor? Em quantos níveis de intensidade? Em quantos tons de cor? Em quantas versões da mesma canção? Quantos tipos de eu te amo podem ser ditos ou quantos amores cabem nestas três palavras? No começo eu amei você pelo beijo e depois pela coragem. Os dias foram passando e e eu amando mais. A curva da nádega, a textura da pele, o cheiro escondido atrás das orelhas, os cabelos rebeldes da nuca. Tudo era amor. Cada descoberta a meia luz, cada coincidência causal. E o amor que começou pequeno, arteiro e depois se viu feito, forte, incontrolável. E no meio do caminho, no atropelo de tom e melodia, o amor envelheceu, mas não esqueceu de ainda ser amor. E de longe, manso e com bondade, como um selvagem domado, entendeu quando não lhe cabia mais a forma inicial.
quero dizer entre frases sonolentas que amo dormir e acordar com você. quero que meu colo seja seu descanso ao fim do dia cheio e que o seu colo seja o porto seguro enquanto minha tempestade não sossegar.
guardei aquele poema do iain s. thomas, que quando traduziram pro português virou o tempo que leva até cair. talvez você nem lembre mais ou se ainda lembrar, pensa que foi só uma dessas coisas que se manda por acaso, quando a gente acha que aquela dorzinha na boca do estômago é paixão, porém e na verdade é só um começo de gastrite por estar bebendo muito café amargo durante o dia. e enfim... sempre que vejo essas coisas que parecem que a qualquer momento vão despencar do céu e cair bem no meio da praça do ferreira, é desse poema e da gente que eu lembro.
Convidou-me para um jantar em sua casa. Aceitei prontamente. Seguimos juntos pela rua de pedras. Enquanto caminhávamos lado a lado, a cada passo, bolhas de silêncio e pensamentos agoniados se amontoavam pelos ares, mas só eu era capaz de vê-las. Convidou-me a entrar na casa de porta pequena. E as bolhas, uma a uma, se desfizeram em gotas microscópicas de algum sentimento não identificado. Seus olhos, dois cães ferozes, acompanhavam-me em cada pequeno movimento. A mesa posta reforçava o convite. Já não havia mais opções. Eu, matéria viva - e tudo que em mim habitava, real e figurada -, estaticamente posicionada em sua sala de tábuas corrida. Sentei-me cui da so men te a mesa e num golpe desastroso, porém não menos mágico, esbarrei na faca de prata, tão pesada quanto o ar que respirávamos naquele lugar. Barulho. Silêncio. Os quatro olhos miram o objeto que assumira um novo papel em sua existência. A faca fincada verticalmente no chão de madeira, agora ressignificada, escolherera seu próprio destino de ser uma estaca.
O contorno da boca, a linha fina entre os lábios e os olhos, eu não posso deixar de falar dos olhos que mesmo com aparência cansada, parecem duas granadas prontas para explodir qualquer coisa que fique sob sua mira, sua ira. O cabelo desarrumado, o braço apoiando o rosto. O ângulo perfeito da destruição. A composição divinal da desgraça. Da minha desgraça.
Ando sem noticias suas e isso é como ter uma bússola, mas não saber lê-la. Seguro-te nas mãos, vejo-te apontar o norte e me perco em seguida. Ponho-me a andar em círculos, viciado na elipse das memórias antigas. Sem norte, sem sul. E aos poucos me perco do seu cheiro de casa, do seu gosto de casa, da sua pele de casa. Perco-me de você. Firmo o pequeno objeto na esperança de desvendar o que a agulha magnética me diz e insistentemente escuto meus pensamentos confessando que amo muito, muito, muito você.
Como um rio desviado pela força do homem, nossos destinos fluíram em direções opostas. Não somos mais o amor um do outro, não nós banhamos em nossas margens.
Como em uma das falas daquele filme meio idiota, que com certeza você jamais assistiria, "eu te amo, mas eu não gosto mais de você". Eu ainda te amo muito e todos os dias é como se tivesse que esconder pequenas partes do meu corpo cansado em gavetas fechadas com cadeados que me obrigo a jogar as chaves fora.
se penso no tempo penso em você como também penso nas nossas vidas que se cruzaram se atravessaram e seguiram em opostos. se penso no tempo penso em cura penso que só ele é pode cicatrizar e reunir novamente. o tempo me ensinou a ver me ensinou a ouvir me ensinou a amar mas o tempo também me envenenou e me fez ter medo me deixou feridas que só ele pode fechar. se penso no tempo penso em como ainda as coisas todas passam e penso que você fica.
É que meu benzinho, eu sei, tamanho de amor não se discute. Amor pequeno ou amor grande, tudo é amor. E antes, muito antes do homem inventar as unidades de medida, o sentimento imensurável já pairava sobre as cabeças.
Não ouso relaxar quando ainda fecho os olhos e vejo tudo como um filme em preto e branco. Não ouso relaxar pois se meu corpo se deita, é como se qualquer superfície se misturasse a minha pele, como nossas peles se misturavam quando nos tocávamos. Há em meu corpo, em meus sentidos. Há em mim qualquer coisa que não ousa relaxar, que se recusa a descansar. No entrançado do meu cérebro e nas válvulas cardíacas. Nada que sou ousa relaxar na ausência que há.