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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

De longe a vi descer a escadaria do pequeno coreto e enquanto o sol iluminava seu cabelo, como luz que incide magicamente sobre um prisma de cristal, a praça toda se encheu de cor, barulhos emudeceram e o tempo… ah, o tempo acelerou e parou e acelerou novamente… Como se Deus brincasse com os ponteiros do relógio divino, como se fragmentasse o sol em milimétricos sóis e me desse um par de olhos novos só para vê-la em espetáculo naquele momento.
falo sobre nosso amor em 432Hz
como os violinos stradivarius
como Bach e Mozart
como a frequência que pulsa mundo a fora
e também mundo a dentro.

notas em atraso

No banco de trás do Uber escuto o radio balbuciar qualquer notícia desgraçada sobre a economia do país. A voz feminina diz que são oito e trinta e um, de acordo com o horário de Brasília. Trânsito infernal, estou atrasada como sempre… Meus dedos roídos de ansiedade percorrem os detalhes do banco do carro. Me pergunto depois de respirar fundo quanto atrasos são necessários até lhe perder das vistas.
Pois tu saí de mim como a pequena planta que brota insistentemente do muro de pedra do teu antigo condomínio, ao lado do interfone, aquele mesmo que, ainda trêmulo, falei meu nome, teu nome e o número do teu apartamento.
Com lágrimas cristalinas encho a banheira de porcelana royal-limoges e em banho tépido sustento tua cabeça, teu tronco, braços e pernas, suspendo-te por completo em meu êxtase.
Veja os sinos dourados, ouça o tilintar.
Tu sabes que antes mesmo do nascer do sol em Gisborne ou que os primeiros pensamentos tomassem forma nas cabeças humanas, o amor já estava lá. Antes de nós. Antes de ti. Antes de mim.
O amor estava lá e tem estado aqui.
Nas paredes dos banheiros do prédio antigo, nas mesas dos bares do bairro boêmio, nas cadeiras, nas prateleiras, nos livros, nos bilhetes e cartas.
Me olhas assim, desconfiado, como um gato novo a descobrir novidades. Me olhas atento, olhos rápidos, como uma ave de rapina. Os olhos negros encaixados no rosto branco são dois buracos negros, estrelas pós colisão. Não satisfeito, aperta os lábios, calado, como as buzinas nos carros, como as explosões vulcânicas, como os aviões supersônicos, como uma fanfarra em dia de quermesse. Me entendes sem esforço. Compreende meu desejo. Sabes mais de mim que eu mesmo. E me olhas assim…
Há dias começo o que não se pode recomeçar. Ensaio a volta, como um planeta percorrendo a órbita elíptica ao redor do sol. Ora perto, ora longe. Sempre ao seu redor.
No vazio de outra hora e no vazio desta hora em que vos falo. No vazio agudo, no vazio crônico ou simplesmente no vazio. No oco do oco do findado mundo. Nos filetes das luzes de mercúrio, trepados em postes e nos postes fixados em ruas sem fim e no fim que não existe, eis que existe o vazio em forma de chegada. Parada. Placa. Vertical. Vazio. Existencial.
Estamos entrando no mesmo mar, agora, mas em pontas diferentes da costa. Como um pescador que lamenta perda irreparável da jangada que se partiu nos corais, eu finco meus pés e olhos no fim do mar - ou seria no começo do céu? Eu nunca lhe disse que o oceano inteiro tem o gosto do nosso mais íntimo suor. Hoje me sinto azul.
Precisamos gastar esse amor o mais rápido possível. Deixá-lo por todos os lugares da cidade, em todos os quartos daquele motel barato que pelo menos uma vez por semana nós íamos pedir uma suíte, por favor. Precisamos gasta-lo em vinte playlists no Spotify, dez delas com as mesmas músicas em ordem diferente. Precisamos gastar sem pena e pudor. Precisamos rasgar, queimar, explodir, implodir, roer o caroço, mascar, colocar em mastros, deixar o vento levar, jogar ao mar, deixar que colida a duzentos quilômetros por hora em qualquer sólido com o dobro do seu tamanho. Precisamos chorar, espernear, vomitar, foder, pisotear, jogar na primeira lixeira depois daquela maldita esquina. Precisamos mandar a Marte ou a Júpiter, deixar que morra em alguma lua ou que derreta quando a chegar à distância mínima do sol. Precisamos expurgar, exoscisar, entregar como oferenda, mandar pra puta que pariu ou pro raio que o parta. Precisamos urgentemente dar um fim. Sufocar, esquartejar, empurrar do penhasco, afundar no meio do São Francisco, abandonar na sarjeta, guilhotinar. Precisamos que ele morra a facadas ou a tiros, dilacerado por animais selvagens. E precisamos que ele viva pois já não vivemos sem tê-lo. Não vivo sem amar você.
Hão de dizer que tudo foi por amor. Não existe amor se existir abuso de qualquer parte.
Ando triste, não notas? Cabisbaixo, sorriso amarelo… É que o peso da tua saudade me curva a ponto de me por junto ao chão.
Peça-me calma e complacência e diga-me, em quantas línguas puder, que eu tenha calma, que o tempo vai curar tudo, que muito em breve seremos o borrão de um desejo qualquer, para que eu possa responder-te, em silêncio ou não, que amores assim, arrebatadores assim, entendem apenas uma linguagem e nem com calma e complacência e nem com o tempo do nascimento e morte de uma estrela se esquece ou se cura.
Minhas sinceras desculpas por tudo que fui e não fui
Por ter te feito chorar.
Minhas desculpas em 110Hz
em 432Hz e em 528Hz.
Eu queria ter te feito feliz
Eu queria que ter tido a capacidade de entender seu tempo e ter tido tempo para fazer nosso tempo.
E ter dito mais vezes que eu te amo
E ter te feito sentir mais o amor que habita em mim.
Minhas desculpas por todas as vezes que calei quando tu mais precisou ouvir minha voz e pelas vezes que minha ausência imatura se fez presente.
Vejo-te no opaco dos olhos alheios e perdido, sempre perdido, nos rostos e bocas de outrem. Insônia teu nome, suores teu nome, tremores teu nome, desejos teu nome, saudade teu nome. Toco-te em pensamento, pele pêssego, quanta falta cabe em um ângulo obtuso? Percorro-te com olhos plangitivos. Nada será como antes. Cores incandescentes agora frias como a palma da mão que toca o véu da noite vagarosa.


Intenso

Agudo

Insistente

Como dor de dente

Essa coisa no peito

Que sobe pra cabeça

Que tem a voz

O rosto

O cheiro

O gosto

Do amor que eu amo
Só queria te dizer que apesar de me sentir muito frustrada por querer muito que tivesse dado certo, infelizmente não era algo que dependia só de mim. Tem sido difícil, às vezes nem acredito que dá 17h e eu vou pra casa sem falar com você, mas acho foi o necessário. Era o nós precisávamos. Fomos ponte. Atravessamos uma a outra e fomos travessia de nós mesmas. Não sei se você entende e também acho que a essa altura já nem importa. Vai ser mais uma coisa que eu escrevo e apago. Primeiro porque era algo que eu queria muito dizer e segundo porque eu sei que você nunca soube e nem vai saber me ouvir. Então é isso. Você ainda vai duvidar do meu amor e vai me dizer muitas vezes que eu não soube receber o que você tinha pra me dar. E eu, na pequinês que tenho e sou, vou dizer que foi isso mesmo, que errei e que, das muitas vezes que dizia ser incapaz, jamais menti. Eu queria que tivesse sido diferente, mas até quando e quanto estamos realmente disponíveis a aceitar ou sequer respeitar o que vem do outro e que não é o que nós esperamos? Não me arrependo de nada e guardo de verdade os bons momentos. Os ruins serviram de lição, afinal fecharam portas, mas abriram janelas. Ainda não foi o ponto final. Somos reticências de nós mesmas e de tudo que aconteceu e do que não aconteceu e de repente virou um “plano de futuro”. Não espero resposta, nem compreensão, nem que depois disso a gente volte. Somos completamente díspares! E como você sempre me disse: só o amor não sustenta. Que o que vier seja próspero e leve, o mais importante, como nós não conseguimos ser.
e quantas maneiras diferentes nos é permitido sentir o amor? Em quantos níveis de intensidade? Em quantos tons de cor? Em quantas versões da mesma canção? Quantos tipos de eu te amo podem ser ditos ou quantos amores cabem nestas três palavras? No começo eu amei você pelo beijo e depois pela coragem. Os dias foram passando e e eu amando mais. A curva da nádega, a textura da pele, o cheiro escondido atrás das orelhas, os cabelos rebeldes da nuca. Tudo era amor. Cada descoberta a meia luz, cada coincidência causal. E o amor que começou pequeno, arteiro e depois se viu feito, forte, incontrolável. E no meio do caminho, no atropelo de tom e melodia, o amor envelheceu, mas não esqueceu de ainda ser amor. E de longe, manso e com bondade, como um selvagem domado, entendeu quando não lhe cabia mais a forma inicial.
quero dizer entre frases sonolentas que amo dormir e acordar com você. quero que meu colo seja seu descanso ao fim do dia cheio e que o seu colo seja o porto seguro enquanto minha tempestade não sossegar.

poema

guardei aquele poema do iain s. thomas, que quando traduziram pro português virou o tempo que leva até cair. talvez você nem lembre mais ou se ainda lembrar, pensa que foi só uma dessas coisas que se manda por acaso, quando a gente acha que aquela dorzinha na boca do estômago é paixão, porém e na verdade é só um começo de gastrite por estar bebendo muito café amargo durante o dia. e enfim… sempre que vejo essas coisas que parecem que a qualquer momento vão despencar do céu e cair bem no meio da praça do ferreira, é desse poema e da gente que eu lembro.

não pense

Não pense que desisti. Eu vim de muito longe, de anos atrás, de quilômetros, de galáxias, de muito, muito longe mesmo e não viria com o peito rasgado e os olhos em chama se não acreditasse que seu endereço ainda é o mesmo, que ainda posso ligar de madrugada e ouvir sua voz sonolenta me aconselhar. Eu não desisti. Posso ter me perdido (você sabe como meu senso de direção é terrível), mas não faz parte do plano abrir mão de você. Eu vim como pude, com a roupa do corpo, de chinelos, correndo, desviando, caindo, levantando. Eu vim as pressas, assim que ouvi o sinal. Vim a cavalo, de carro, a pé, de motocicleta. Não desisti, nunca me passou pela cabeça desistir. Cruzei fronteiras, cidades inteiras e grandes avenidas e pequenas ruas. Não pense que já acabou, que não me importo mais. Estou em frente ao portão de sua casa, chamando no visor do seu celular, nas caixas de entrada dos seus três e-mails. Não há como desistir agora.

jantar

Convidou-me para um jantar em sua casa. Aceitei prontamente. Seguimos juntos pela rua de pedras. Enquanto caminhávamos lado a lado, a cada passo, bolhas de silêncio e pensamentos agoniados se amontoavam pelos ares, mas só eu era capaz de vê-las. Convidou-me a entrar na casa de porta pequena. E as bolhas, uma a uma, se desfizeram em gotas microscópicas de algum sentimento não identificado. Seus olhos, dois cães ferozes, acompanhavam-me em cada pequeno movimento. A mesa posta reforçava o convite. Já não havia mais opções. Eu, matéria viva - e tudo que em mim habitava, real e figurada -, estaticamente posicionada em sua sala de tábuas corrida. Sentei-me cui da so men te a mesa e num golpe desastroso, porém não menos mágico, esbarrei na faca de prata, tão pesada quanto o ar que respirávamos naquele lugar. Barulho. Silêncio. Os quatro olhos miram o objeto que assumira um novo papel em sua existência. A faca fincada verticalmente no chão de madeira, agora ressignificada, escolhera seu próprio destino de ser uma estaca.