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domingo, 18 de agosto de 2013

A venda.

Existem coisas na vida que são tão previsíveis, mas tão previsíveis que até um cego vê e coisa tão obvias, mas tão obvias que a dedução dispensa soluções mirabolantes. Não há venda nos olhos da intuição. É como se o sexto sentido, o instinto bruto, tivesse me avisado – Ei, não pisa ai que é infalso.  – Havia venda nos meus olhos. Apesar de o corpo saber, da mente saber, os olhos arregalados, porém cobertos não sabiam. Foi como se depois de uns dois ou três passos à frente, o destino fosse uma grande fenda, um abismo tão fundo que até a solidão ecoava adentro.
Eu estava cego, completamente cego! Era como se uma cortina espessa com seu rosto pintado cobrisse minhas vistas. E para onde eu olhava, por onde eu pisava, era você que me guiava, era você o meu caminho. Foi por você que eu me arrisquei e fui descalço de braços abertos rumo ao desconhecido – ou seria intuitivamente conhecido? – abismo. Apesar de sentir na espinha o sopro do medo, eu sentia mais ainda sua mão segurando a minha e mesmo sem dizer uma palavra, eu ouvia sua voz me pedindo calma, afirmando que a nossa “felicidade” estava logo em frente.
Mal sabia, mas previa. Você me pôs na beira como se quisesse me testar – será que ele pularia por mim? -. Tratei de cravar meus pés com a força que eu não tinha! Você me abraçou por trás. Senti seu peito estufar por consequência de um longo suspiro. Um braço circulava minha cintura enquanto o outro segurava minha testa e sua boca estava bem atrás do meu ouvido esquerdo.  Nós estávamos tão colados, respiração e batimentos cardíacos mais sincronizados que a Orquestra Imperial. Foi ai que eu pensei que você não seria capaz, foi quando eu me despi dos medos, ignorei minhas intuições e previsões. Relaxei.
Depois de um abraço que durou a eternidade de alguns minutos, talvez, você afagou meus cabelos e com certa ternura maliciosa falou com os dentes cerrados:
- Você sabe voar, meu passarinho?
Não consegui me virar a tempo. Suas palavras foram tão fortes quanto um feitiço! Acho que nesse exato momento eu senti a terra tremer – ou seriam minhas carnes estremecendo de pavor? -. Senti um forte impulso e de tão atordoado que estava não sabia ao certo se estava caindo fora ou dentro do enorme buraco. Rezei para que você estivesse me puxando ao invés de estar me empurrando. Pura ilusão. Pura inocência. Despenquei de corpo e alma numa velocidade tão louca que parecia que eu estava sendo flechado por todas as direções!
E tudo que eu mais temia aconteceu. O que me vendava se desprendeu. Ruiu. A grande cortina com seu rosto pintado se fez pó bem diante dos meus olhos. Não devia ter me ignorado. Era obvio!  Eu já tinha previsto! Meu instinto, meu sexto sentido - chame do que for! – havia me avisado e eu tolo, cego, inebriado, fui lançando ao nada. De que adiantou os abraços e os afagos e os beijos e as declarações e a respiração e os batimentos orquestrados? De que me serviu seu guiamento rumo ao que você chamava de “felicidade”? De que adiantou tudo isso se eu não sei voar?

Escrevo essas palavras quebrado. 

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