+MAIS

terça-feira, 28 de março de 2017

Lavada.

Matei minha tia. A tia que fumava desde os onze, que não tinha marido e filhos, que morava sozinha numa casa linda em Quixadá. Dei uma tosse insistente seguida de insuficiência respiratória. Diagnostiquei-a com um câncer de pulmão letal, urgente. Mas ofereci um enterro digno. Familiares, amigos, condolências e um pôr do sol ao fundo. A tia estava pálida, apenas pálida. Não tive coragem de me aproximar do caixão escuro. Nunca gostei de velórios e enterros, fui em respeito a memória da grande mulher bondosa, que me acolheu na infância, que nunca existiu e cujo o grande feito da vida foi ser uma desculpa esfarrapada, porém muito convincente, para que eu pudesse faltar um dia todo de trabalho. Quem se preocupa com a tia fumante? Quem liga paras as milhares de substâncias cancerígenas nos cigarros? Quem vai ficar com a casa e todos os pertences da tia falecida? Quantas horas dura uma viagem de Fortaleza à Quixadá? Quantos tios e tias ainda me restam? Quantas pás de terra foram necessárias pra cobrir toda a cova? Tia Irene, a vida é mesmo um sopro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja.