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terça-feira, 28 de julho de 2015

Parte III

Das três noites e dois dias de viagem, agora só restavam um de cada. Não conseguiu sequer fazer um terço do planejado. Até a matade imposta sabe-se lá por que, foi falha. Tudo pesava, tudo. Qualquer suspiro era de morte e qualquer vento que entrasse, fraco do jeito que fosse, parecia um sopro misto de agulhas e caquinhos de vidro pontiagudos. 

O alívio de estar longe e incomunicável ainda dava um pouco de conforto. Conforto? Nem a cama, nem as roupas. Do tamanho que fosse, nada cabia ou supria. Não queria estar ali e também não queria voltar pras coisas que havia deixado. Com certeza as plantas postas na janela da sala já estavam mortas de sede. Motivos pra voltar? Nenhum. E pra ficar?

  O dia inteiro trancada no quarto. O amor é e sempre vai ser um jogo de azar. A manhã passou vagarosa, mas foi suficiente pra acabar com todos os cigarros que ainda restavam. Eram mais ou menos uma da tarde quando saiu do banho. Desceu o lance de escadas rumo a recepção. Não era isso. Voltou para o quarto. Agora sim. Sentou na cama, baixou a cabeça e se pôs a chorar. Um choro sentido, compulsivo. Era duas cachoeiras, dois açudes sangrando, duas barragens rompidas. Durou exatamente três horas e dezenove minutos até que finalmente caísse em sono profundo.

  Acordou, olhou o relógio no pulso. Já passava das nove da noite. Dirigiu-se ao banheiro e se assustou com o inchaço dos olhos! Duas ameixas! Roxas e gordinhas. Não dava pra sair assim. A fome apertou e a vontade de chorar também. Mediu as prioridades: comer primeiro, chorar depois. Lembrou que no havia guardado um panfleto com alguns números de delivery. Mexeu na bolsa e o celular descarregado a fez pensar no tempo que tinha ficado ausente do mundo virtual.
  
Ligou o aparelho, fez o pedido - um sanduíche, um suco e troco pra trinta. Hotelzinho tal, quarto cento e quatro. Obrigada. - e desligou o aparelho. A experiência do isolamento não estava sendo totalmente ruim. Era como se não houvesse a menor obrigação de existir, mesmo existindo. A comida não demorou muito. Nem pra chegar e nem pra ser devorada. Choro e sono foram os combustíveis certos. Escovou os dentes e voltou pra cama. Enrolou-se dos pés a cabeça, respirou fundo e repetiu devagar, pra ver ser entendia de vez, "ela não merece". 

Duas noites e dois dias. O quarto cento e quarto do hotelzinho tinha se tornado uma espécie de capsula protetora. Podia morar ali por dias, anos, décadas, talvez. Durante algum tempo ficou pensando nessa possibilidade e acabou lembrando que só estava ali por causa da insistência da outra... Apertou um dos travesseiro contra o rosto e gritou. Foi o grito mais alto e demorado. Parecia que uma coruja rasga-mortalha ia sair goela a fora! E choro por cima de choro até que sono profundo.